sexta-feira, 29 de maio de 2015

Novas possibilidades em tempo de mobilidade



Os conceitos de lugar e espaço muitas vezes se confundem, é difícil se chegar a um consenso. De qualquer forma, os dois termos estão ligados à ação humana. A forma como o indivíduo percebe e lida com o território diz muito sobre a cultura de um povo. A identificação com uma determinada cultura, inclusive, durante muito tempo era tida somente dentro das fronteiras de um território. Com o advento da globalização e, posteriormente, da internet, a percepção de cultura e identificação se alterou drasticamente.

O conceito de pós-modernidade segundo Stuart Hall dialoga com essa nova noção de identificação, num âmbito mais amplo. Em sua obra “A identidade cultural na pós-modernidade”, Hall aponta que o descentramento do sujeito e a fragmentação das formas modelares construídas na modernidade são pontos-chave desse novo momento da história. A sociedade já não era mais feita de pilares bem definidos e sólidos, logo, o modelo do sujeito e da identidade não poderia sê-lo. Aos poucos foi se descobrindo que as identidades são fluidas, mutáveis, construídas socialmente, podendo ser articuladas de acordo com o papel social desempenhado. 

Hall também expõe a influência da globalização no ato de desmontar essas identidades. A globalização atravessa fronteiras, integra comunidades, promove uma nova configuração de espaço-tempo - a chamada aceleração - e promove três possíveis consequências para essas identidades: ou elas se desintegram, ou se reforçam para resistir à globalização, ou caem em declínio, em favor das identidades híbridas. A compressão espaço-tempo afetou a formação das identidades e separou o espaço do lugar, afrouxando as relações com a cultura nacional e levando ao surgimento de laços “globais”.

Com o fácil acesso aos costumes de diversos povos e países, hoje é muito mais fácil se identificar com diversas culturas. Os dispositivos móveis contribuem com isso a cada dia. Por serem portáteis, é fácil carregar “um pedacinho do mundo” próximo a nós todo o tempo. Em seu ensaio “Polegarzinha”, Michel Serres traz um retrato dessa nova geração, nascida na era da fragmentação do conhecimento. "Por celular, têm acesso a todas as pessoas; por GPS, a todos os lugares; pela internet, a todo o saber: circulam, então, por um espaço topológico de aproximações, enquanto nós vivíamos em um espaço métrico, referido por distâncias" (SERRES, 2013, p. 19).

Outro aspecto dessa transformação é citado por Serres em suas elucubrações sobre como recriar o ensino para essa nova geração. "Com o acesso às pessoas pelo celular e com o acesso a todos os lugares pelo GPS, o acesso ao saber se abriu. De certa maneira, já está o tempo todo e por todo lugar transmitido" (SERRES, 2013, p.26). Assim, as “formas modelares” do ensino tradicional já não servem a esses jovens. Os computadores que carregam na palma de suas mãos são capazes de lhe trazer informação a todo tempo.

São vários os aplicativos responsáveis por essa tarefa. O Feedly agrega feeds de diversos blogs e sites, escolhidos pelo usuário, que age como seu próprio gatekeeper. O Nuzzel destaca e organiza as notícias mais compartilhadas pelos seus contatos nas redes sociais. E se você não puder estar online o tempo todo - o que é cada vez mais difícil hoje em dia -, não há problema: você pode salvar as notícias no Pocket, para ler offline no seu celular. Pra saber mais sobre aplicativos, visite o blog Aplicatividade, dos nossos colegas de disciplina. Mas nem é necessário usar esses apps para ter informação e conhecimento na palma da mão: às vezes as notícias chegam até pelas redes sociais.

O grande problema é que, nesse estilo de vida “on the go”, nem sempre é possível apurar corretamente a informação que chega pelas redes, como já foi dito anteriormente em nossos posts. A recepção é rápida, não há muito tempo pra digerir, e aquilo que foi recebido se torna só uma vaga ideia no repertório de uma mente fragmentada. Não costuma haver tempo para maiores pesquisas. Além disso, torna-se mais fácil compartilhar informação falsa. Sem a onipresença da instituição jornalística, com a absoluta facilidade de criação de conteúdo e considerando o fato de que é muito comum que as pessoas compartilhem conteúdo sem sequer abrir o link, confiando apenas no título, a mobilidade informacional mostra seu lado menos aprazível.

Mas esses novos tempos de mobilidade não pressupõem apenas um maior acesso à informação. Agências de publicidade e empresas de marketing em geral estão investindo cada vez mais no universo dos dispositivos móveis, de diversas maneiras. Uma delas é o SMS Marketing, no qual os usuários recebem alertas de promoções e cupons de desconto por SMS. Outra, mais recente, é o uso de anúncios dentro de aplicativos móveis, sejam daqueles que ficam no rodapé das telas dos apps ou que surgem em forma de vídeos. Algumas, não muito usadas, aproveitam-se justamente das características “móveis” dos dispositivos. É o caso de abordagens baseadas em geolocalização, ou do marketing via bluetooth.

O filão da publicidade móvel está em franca expansão, e os números comprovam isso. O faturamento com a publicidade em dispositivos móveis duplicou em 2013, alcançando US$ 17,9 bilhões, puxado por Facebook e Google, segundo pesquisa divulgada pela consultoria eMarketer. O gasto com publicidade em plataformas móveis teve um aumento de 105%. Facebook e Google lideraram esse mercado, somando US$ 6,9 bilhões em 2013.

Será possível, numa visão um tanto pessimista, relembrar Milton Santos em “Por uma outra globalização” e presumir que o desenvolvimento da técnica e da tecnologia é puramente um projeto de expansão do capitalismo à escala global? Talvez. Mas também é inegável que os novos tempos de mobilidade informacional criam novas regras, novas consciências e talvez venham a criar um novo mundo. Só o tempo dirá o que está por vir.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Big Brother is watching you

Quando se fala sobre vigilância, há quem associe o termo a outros vocábulos, como controle e monitoramento. Mas há diferenças marcantes de sentido entre os três. Segundo Lemos (2009, p. 2), "controle" se refere à fiscalização de atividades, como ações normalmente associadas ao governo e ao domínio de pessoas, ações, processos. "Monitoramento" é uma forma de observação contínua para acumular informações visando construir cenários e históricos, ou seja, uma ação de acompanhamento de dados.

Vigilância pode ser definida como uma atitude tomada com o objetivo de evitar algo. É uma observação com fins de prevenção. De acordo com Gow (2005, p. 8, apud LEMOS, p. 2), a vigilância implica algo específico, como a observação intencional das ações de alguém ou a coleta intencional de informações pessoais a fim de observar ações do passado ou do futuro. Na vigilância se exercem as dimensões de controle e monitoramento.

Exemplos de vigilância na ficção não faltam. Um dos mais célebres está na distopia 1984, de George Orwell. O regime do Socialismo Inglês impunha diversas formas de vigilância das atitudes do povo, a exemplo das tele-telas, televisores que ficavam eternamente ligados difundindo as ideias do partido e que também podiam ver quem estava do outro lado, o que estava fazendo e se estava exercendo alguma atividade perigosa. As tele-telas seriam capazes até de detectar sinais do chamado pensamento-crime (qualquer ideia que desafiasse o regime) enquanto o indivíduo dormia. Por trás disso, estava a Polícia das Ideias, mais focada em coibir diretamente o pensamento-crime, eliminando os indivíduos que apresentassem ideias potencialmente perigosas.

Hoje a vigilância está presente de diversas maneiras, em especial na forma de câmeras de segurança, que acabam criando um clima de insegurança. “Se há câmeras nesse local, é porque há ou pode haver algo de suspeito aqui”, pensam as pessoas, segundo estudos sobre o tema, citados no artigo anteriormente mencionado. Pior ainda, existem sistemas dedicados a estudar padrões de comportamento trazidos pelas imagens e construir parâmetros para identificar possíveis atividades suspeitas.

Tais situações orwellianas guiam, naturalmente, a formas de reação por parte dos cidadãos. Contra-vigilância se refere às medidas tomadas para prevenir a vigilância e/ou fugir dela, como se pode inferir. As maneiras de exercer a contra-vigilância variam de comportamentos simples, como usar transportes que não podem ser rastreados e se esconder, até medidas mais refinadas, a exemplo de softwares que evitam que seus dados sejam espionados através do ciber-espaço. 

Em 1984, são apresentadas, também, formas de contra-vigilância, como quando Winston, o personagem principal, busca lugares que estejam fora do campo de visão das tele-telas para escrever no seu diário. De volta à realidade, existe o projeto iSee, que mapeia os locais com presença de circuito interno de vigilância e propõe um mapa de percursos alternativos que não podem ser capturados pelas câmeras. Há a possibilidade de que boatos e informações falsas estejam aptos a ser usados como uma estratégia de contra-vigilância, a fim de enganar aqueles que vigiam.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Ciberativismo e o boato como arma

Movimento social é a ação coletiva de um grupo com o objetivo de obter mudanças dentro de uma determinada sociedade ou contexto. Ciberativismo é uma forma de ativismo pela internet, também chamada de ativismo online ou digital, usada para divulgar causas, fazer reivindicações e organizar mobilizações.

Como dissemos em posts anteriores, a internet revolucionou a forma de lidar e fazer as coisas, então é natural que atividades da vida cívica, como manifestações, passem também pela esfera digital. Um exemplo recente no Brasil foram as manifestações de julho de 2013, organizadas e veiculadas através de redes sociais.

As manifestações, que começaram em São Paulo, contra o aumento da tarifa de ônibus, ganharam repercussão nacional depois de forte represália da polícia. Os manifestantes, a princípio chamados de “vândalos” pela mídia tradicional, se utilizaram amplamente das plataformas de redes sociais, como Facebook e Youtube, pra divulgar o que realmente se passava nas ruas e que os grandes veículos tratavam como se não fosse grande coisa.

Diante da repercussão de vídeos e de diversas discussões na internet, a mídia tradicional se viu obrigada a adotar uma nova versão dos acontecimentos. “Vândalos” se tornaram “manifestantes”. Inclusive, o jornalista Arnaldo Jabor se desculpou após um comentário feito no primeiro dia das manifestações.

Os vídeos foram compartilhados por uma nova forma de se fazer jornalismo, chamada Mídia Ninja, que nasceu nesse contexto de manifestações graças à possibilidade de mandar informações com mais velocidade, de dentro da manifestação, a partir de sites de redes sociais. Tal maneira de espalhamento de informações só foi possível graças ao que é chamado de Web 2.0.

Segundo Alex Primo, “a Web 2.0 é a segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2007, apud HÜTTNER e NEGRINI, 2013). Ou seja, a Web 2.0 é nomeada assim porque inaugura uma nova geração da internet, onde já se suporta um maior fluxo de informações, de compartilhamentos.

Essa nova geração da web é espaço fértil para uma maior participação do usuário no processo de divulgação de informação. A pessoa comum adquire mais poder nesse processo de circulação de informação, como se viu nas manifestações de julho de 2013. Ferramenta formidável nesse processo, o site de rede social Facebook funciona perfeitamente para essa nova forma de ativismo, pois o acesso é fácil, a possibilidade de compartilhamento é simples: basta um clique.

No entanto, não podemos esquecer dos boatos, que aparecem de tempos em tempos a cada manifestação marcada em sites de redes sociais. Se, por um lado, esses sites são ferramentas não só necessárias nesse processo, como também importantes em estabelecer relações e fortalecer laços (RECUERO, 2009), por outro lado facilitam e muito o espalhamento de boatos. Basta clicar em compartilhar ou retuitar.

Não é difícil imaginar o uso do espalhamento de boatos a fim de dissipar ou até mesmo fortalecer um movimento criado a partir de sites de redes sociais, por exemplo. Por um lado, há boatos que objetivam diminuir um movimento social. Por outro, há movimentos sociais que se utilizam de boatos para unir as pessoas em torno de uma causa. É o caso, por exemplo, da página do Facebook “Revoltados Online”, que sustenta sua posição anti-governo e anti-PT usando de informações falsas que influenciam fortemente seus seguidores.

Boatos e ciberguerras

Os boatos emergem, também, como um instrumento muito utilizado em ciberguerras. Em sua acepção geral, a ciberguerra consiste no uso de táticas baseadas no espaço virtual para destruir o inimigo, invadindo os programas de controle de operações vitais para a sociedade do país em questão. Exemplos comuns estão nos ataques às redes de comando de serviços, como energia elétrica; às redes de controle de tráfego aéreo e às redes bancárias.

A ciberguerra não é apenas guerra eletrônica, mas abrange as operações de guerra psicológica, a teoria da mentira, o terrorismo seletivo e muitos outros campos do conhecimento humano. Por essa razão, os boatos podem se tornar uma grande e poderosa arma. Segundo o professor Fernando G. Sampaio, em seu texto "Ciberguerra - Guerra Eletrônica e Informacional: um novo desafio estratégico",

   "Em casos de situações caóticas, com anulação dos serviços normais de notícias, os boatos se difundem facilmente, precisamente porque não existe mais a rede de comunicações conhecida e confiável. Poucos agentes e muitas maneiras de difusão são suficientes para fazer o caos se multiplicar até fazer as multidões atacarem o que resta do seu próprio governo, forças de segurança e sistemas de emergência". (p. 6)

O mundo presenciou durante os últimos anos, algumas investidas dessa natureza - ataques e represálias. A Estônia teve, em abril de 2007, quase todos os seus sites governamentais atacados, assim como sites de jornais e emissoras de televisão que também ficaram fora do ar. Sem uma autoria assumida, especula-se que russos teriam agido em resposta à remoção da estátua de um soldado russo. O monumento de bronze, que simbolizava a vitória russa diante do nazismo, persistia como lembrança dos anos de ocupação soviética na Estônia.

Em 2010, o vírus Stuxnet foi usado para atacar sistemas fundamentais em diversos países, principalmente o Irã e seu programa nuclear. Ao ser usado, causou danos a estruturas físicas dos reatores iranianos. Assim como no caso da Estônia, não houve uma autoria reivindicada. Contudo, reportagens do Washington Post e The New York Times apontam os Estados Unidos e Israel como responsáveis pelo ataque que fariam parte de uma ação conjunta batizada de “Operação Jogos Olímpicos”.  

Em outras ocasiões, o malware Duqu e o vírus Flame foram usados em ataques a órgãos governamentais do Irã, assim como o Gauss foi utilizado contra bancos do Oriente Médio, principalmente no Líbano. Os objetivos dessas investidas eram obter informações confidenciais, seja do serviço de inteligência ou a respeito de movimentações financeiras.

O caso mais recente aconteceu no início desse ano, quando fontes no FBI (polícia federal americana) asseguram que a Coreia do Norte orquestrou ataques cibernéticos à Sony Pictures. Dados da Sony Pictures, incluindo milhares de e-mails trocados pelos principais executivos do estúdio, foram vazados. O episódio causou caos na industria cinematográfica de Hollywood e prejuízos a Sony.

Através do grupo autodenominado GOP (Guardians of Peace), o regime norte-coreano estaria repreendendo a empresa por causa da comédia “A Entrevista”, uma paródia ao líder Kim Jong-un, que no filme é vítima de um plano para assassiná-lo. O estúdio cancelou a estreia do longa depois que algumas das principais redes de cinemas dos Estados Unidos alegarem ter sofrido ameaças de atentado terrorista em caso de exibição.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Admirável (e complexo) Mundo Novo

A sociabilidade e a vida em sociedade são essenciais para o ser humano. Ninguém é independente a ponto de não precisar do outro para nada. Precisamos da pessoa que planta o trigo, da pessoa que o colhe, da que o vende, da que o compra e daquela que fabrica o pão para podermos comer. Também precisamos da que nos emprega, para que tenhamos dinheiro para comprar o pão. Entre tantos outros exemplos.

Dizer que as novas tecnologias de comunicação, atreladas à internet, revolucionaram a maneira do ser humano se comunicar é redundante. A possibilidade trazida por computadores, tablets ou smartphones de conversar em tempo real, por exemplo, com alguém em outro continente, alterou a percepção que tínhamos das distâncias. Quão distante de mim está uma pessoa que mora na China? À distância de um clique, talvez.

A possibilidade de se ter o mundo na palma das mãos gera uma preocupação recorrente: Será que a conexão constante não está afastando quem já está próximo?
Cena do filme Wall-e na qual dois homens que estão lado a lado conversam através da mediação tecnológica.

Tornou-se cada vez mais comum ver em círculos de amigos, por exemplo, pessoas reunidas, que simplesmente não se olham nos olhos, atentas demais às telas de seus smartphones. Contudo, afirmar que a tecnologia é um mal que corrompe a humanidade seria reduzir demais o fenômeno. Foi através de sites de redes sociais que protestos foram organizados, debates políticos foram travados e boatos foram tanto disseminados quanto desmentidos.

É importante ressaltar que redes sociais não são uma coisa nova. "Redes sociais complexas sempre existiram, mas os desenvolvimentos tecnológicos recentes permitiram sua emergência como uma forma dominante de organização social. Exatamente como uma rede de computadores conecta máquinas, uma rede social conecta pessoas, instituições e suporta redes sociais" (Wellman, 2002b, p.2 apud RECUERO, 2009, p. 93).

A grande diferença é que, naturalmente, com o advento da internet, as redes sociais transferiram-se para esse novo “suporte”, adaptando-se e ganhando novas regras. Frequentemente ouvimos o termo “redes sociais” para designar sites como Twitter, Facebook e Orkut. Mas trata-se de um conceito erroneamente aplicado: o mais correto é chamá-los de “sites de redes sociais”, já que as redes são maiores que esses sites.

O que acontece é que os sites em questão passam a mediar o contato entre as pessoas, encurtando distâncias, horizontalizando a difusão de informação e até aliviando o peso de determinadas convenções sociais. Raquel Recuero, em seu livro “Redes Sociais na Internet”, aponta algumas tendências das relações sociais entre pessoas no espaço virtual. As interações entre pessoas passam a ter um caráter “migrante”, espalhando-se entre diferentes plataformas. Uma conversa pode começar no Twitter, seguir para o Facebook e depois para o Skype.

Os pontos positivos dessas novas formas de sociabilidade através da internet são inegáveis. Mas e quanto ao exemplo dos círculos de amigos que vivem grudados em seus celulares? Em seu texto "Why Can't We Read Anymore?", Hugh McGuire, fundador do PressBooks (plataforma de publicação de livros online baseada no WordPress) e do LibriVox (biblioteca de audiolivros de domínio público), disserta sobre a recorrente dificuldade de concentração durante a leitura de livros e textos longos. O autor aponta o smartphone e seu poder de sedução como responsáveis pelo fenômeno.

Ele afirma, com base em pesquisas, que os aplicativos e sites de redes sociais operam segundo uma lógica simples: acessar novas informações causa uma descarga de dopamina, e a dopamina faz com que nos sintamos bem. Logo, prometendo nos trazer sempre algo novo, os smartphones nos viciam e colaboram para desatenção. À longo prazo, isso pode causar maiores problemas de atenção, bem como diminuir a produtividade.

Mas nem tudo parece perdido. Michel Serres, em seu ensaio “Polegarzinha”, defende que essa nova geração composta de nativos digitais está inaugurando uma maneira de pensar diferenciada para um mundo diferenciado, sendo capaz até mesmo de subverter a ordem já estabelecida nas salas de aula. Eles querem tudo ao mesmo tempo, sabem de tudo e trazem à tona uma nova inteligência, talvez mais fragmentada. Se é algo bom ou ruim, não sabemos. Mas uma coisa é certa: estamos diante de uma nova realidade e sociabilidade.

Nesse novo mundo, os boatos continuarão encontrando espaço. Afinal, é na internet, com o auxilio dessas novas mídias e dispositivos, que eles se espalham com mais força nos dias de hoje. Bem ou mal, continuaremos a receber boatos de parentes e agregados, totalmente desesperados com a suposta alta de preço de um produto ou algo do tipo. Infelizmente, a prática de espalhar terror, em momentos de crise, também continuará.

O conteúdo se espalha por aí, os polegarzinhos e polegarzinhas são a nova geração que comandará, no futuro próximo, o destino das novas mídias. Ainda é recente demais para dizer se isso é bom ou ruim. Contudo, algo pode ser dito desde já: é fundamental verificar a procedência de uma informação vista em sites de redes sociais antes de compartilhá-la.
Não custa nada ;)

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A produção de conteúdo na era digital

A internet revolucionou o jeito de fazer e lidar com as coisas, citamos alguns exemplos disso em nossos posts anteriores. Assim como os boatos, muitas coisas receberam uma nova roupagem com o surgimento da internet e de suas plataformas, como os blogs, YouTube, entre outros sites de redes sociais. Todas essas plataformas se utilizaram de ferramentas das mídias tradicionais, contudo, acrescentando novas possibilidades. Essas novas mídias romperam com a chamada mídia de massa e derrubaram (de vez) a teoria da agulha hipodérmica. Agora qualquer um pode produzir e distribuir conteúdo.
Conforme explica Santaella (2007, apud FURINI, 2013), as mídias, tanto as tradicionais quanto as novas, além de “produtoras de cultura por conta própria, são também as grandes divulgadoras das outras formas e gêneros de produção cultural” (p. 150). Utilizando o meio digital, os produtores independentes produzem, arquivam e apresentam os seus trabalhos em formato digital e, dessa forma, exploram todo o potencial possibilitado por esse meio (p. 142).
O YouTube permitiu ao público uma maior facilidade e comodidade no momento de distribuir e buscar conteúdo, tornando a plataforma um “adversário” de peso para as emissoras de TV. O espectador pode pausar, adiantar e rever o conteúdo desejado (regalias oferecidas antes apenas por algumas operadoras de TV a cabo). Da mesma forma, o surgimento e popularização de dispositivos móveis possibilitou o acesso aos vídeos a qualquer hora e lugar.
Pegando carona nesse fenômeno, os serviços de streaming, sendo o Netflix o mais popular entre eles, começam a mudar as regras do jogo para a indústria do entretenimento, principalmente séries e filmes. Produções exclusivas, como House of Cards, têm todos os episódios de suas temporadas disponibilizadas de uma única vez, livres de propagandas.
Da mesma forma, hoje é possível ver no tablet ou no celular, por exemplo, todos os jogos ao vivo da temporada da NBA, liga norte-americana de basquete, através do NBA League Pass -- espécie de assinatura on demand que permite ao usuário ter todos os jogos à disposição, para assistir a hora que quiser, em qualquer lugar. Uma nova lógica é imposta nesse contexto, baseada em participação e colaboração. O público deixa de ser apenas parte do meio, passando a colaborar para a diversidade do conteúdo.
Dessa forma, a televisão vem buscando se adaptar, absorvendo características dessas novas mídias. Recorrer a elementos de interatividade, assim como a nomes que fizeram sua fama na internet e uma produção em formatos que facilitem a reprodução nessas mídias tem sido estratégias utilizadas nesses novos tempos. Trata-se de uma remediação reversa.
Segundo Santaella, remediação é o processo que ocorre quando um novo meio absorve as características da linguagem de um meio anterior a ele, a fim de formar sua própria linguagem. Tal fato certamente aconteceu nos primórdios do YouTube, quando os primeiros criadores de conteúdo “pegaram emprestado” elementos da linguagem televisiva até que conseguissem criar um modus operandi próprio.
Além disso, as leis de direito autoral tradicionais parecem não dar conta da atual realidade. O que está na internet é disponibilizado para consulta segundo a Lei nº. 9.610/98 da mesma forma que acontece com obras impressas, por exemplo. Apesar do hábito do download sem controle dissemina a falsa percepção de que todo conteúdo tornou-se domínio público, é importante lembrar que para utilização de produto intelectual é necessário a solicitação do autor.
A legislação para direitos autorais é plenamente aplicada e garante ao autor os seus direitos, ainda que a maior dificuldade inerente ao assunto seja descobrir quem praticou a infração na Internet. Contudo é importante ressaltar que existem meios para esse fim, assim como também existem formas do autor evitar a cópia não autorizada de seus trabalhos. Logo, alegar uma ausência de legislação nesse sentido é equivocado.
As complicações com direitos autorais levaram à criação de uma organização não governamental, a chamada Creative Commons. Esta que é sediada em Mountain View, Califórnia, e trouxe como alternativa diversas licenças aos autores, distribuidores de conteúdo, para que possam conceder o uso da sua obra intelectual com mais facilidade, de uma forma simples e padronizada.
No início, essas licenças Creative Commons eram redigida com base no modelo legal norte-americano. Com o passar do tempo, a referência para esses acordos passou a ser, entre outras, as Convenções internacionais de Berna e Roma. Logo, os termos da Creative Commons são válidos em países alinhados com essas convenções.É o caso do Brasil, onde as licenças já se encontram traduzidas e adaptadas à nossa legislação.
Em meio a essa revolução na criação e no consumo de conteúdo, os boatos também têm seu lugar. Após a última Copa do Mundo de futebol, realizada pela FIFA, no Brasil, um vídeo aparentemente norte-coreano passou a circular na internet. No vídeo, um suposto noticiário do país dava as boas novas da Copa realizada no Brasil, enaltecendo os feitos da seleção campeão daquela edição, a Coréia do Norte. Tudo não passou de uma brincadeira do site de humor Naosalvo; o problema, porém, é que o vídeo foi tão bem feito que viralizou no mundo inteiro. Diversos veículos embarcaram no boato. Sem internet, sem o YouTube, seria impossível alcançar a dimensão que esse boato, essa trollagem, alcançou. Se não impossível, seria, pelo menos, mais complicado e demorado.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Internet, terra da boataria



O desenvolvimento da tecnologia e a revolução digital proporcionaram um avanço gigantesco num curto período de tempo, se comparado aos outros avanços da humanidade. O digital traz consigo uma constante busca pelo novo, o que tem seus prós e contras. Uma das consequências trazidas por essa modernização é a obsolescência do analógico.

Os aparelhos analógicos representaram um avanço na técnica e serviram de suporte para a mediação da comunicação, mas ainda apresentavam limitações. Os aparelhos digitais, aliados à internet, permitem uma “quebra” temporal, um encurtamento das distâncias. A informação, antes armazenada em papéis, discos, disquetes, etc, agora é um código binário, disponível apenas quando os aparelhos estão ligados. Ou, se estão na “nuvem”, são disponíveis apenas se houver conexão com a internet.

Os prós dessa nova era do digital são a possibilidade de conexão contínua, se comunicar com pessoas fisicamente distantes em tempo real, maior permanência e difusão da informação. Como “contras” há a rápida obsolescência dos suportes. Um meio mais novo logo surge para substituir o outro, e nesse processo muitas informações podem ser perdidas. Há também a maior produção e o maior consumo de objetos tidos como “descartáveis”, gerando uma maior quantidade de resíduos, que muitas vezes não são devidamente descartados ou reciclados.

Segundo Lessig (2005, apud FURINI, 2013) as tecnologias de publicação usadas antes da internet eram caras, o que contribuiu para o caráter comercial das publicações dessa época. Com a internet, houve uma grande mudança na forma como o conteúdo é compartilhado. Os produtores de conteúdo puderam dividir suas criações com um grande número de pessoas, de maneira instantânea.

Graças à possibilidade de difundir conteúdo e ao grande fluxo de informações que se compartilha diariamente, há um espaço para que os boatos se espalhem, de maneira maliciosa ou por descuido de alguns. Uma mensagem falsa, tida como verdadeira, passando de uma pessoa para outra, pode causar o caos.

Conforme mostramos no post anterior, os boatos sempre encontraram um jeito de reproduzir-se, desde muito antes do surgimento da internet. Mas, como sabemos, foi na rede mundial de computadores que eles encontraram terreno fértil para se multiplicar com maior velocidade e amplitude.

A rede mundial de computadores, ou Internet, surgiu no fim da década de 60, em plena Guerra Fria. Inicialmente criada com objetivos militares, seria uma das formas encontradas pelas forças armadas norte-americanas de manter as comunicações em caso de ataques que destruíssem os meios convencionais de telecomunicações. 

Além de ser utilizada para fins militares, a Internet também foi um importante meio de comunicação acadêmico. A comunidade universitária, sendo em grande parte proveniente dos EUA, trocava ideias, mensagens e descobertas através da rede. No Brasil, somente no ano de 1995 a internet deixou de ser privilégio das universidades e da iniciativa privada para se tornar de acesso público. E o número de usuários passou a crescer exponencialmente com o passar dos anos, conforme mostra o gráfico.





A partir da popularização da internet, na segunda metade dos anos 90, o e-mail tornou-se uma forma corriqueira de comunicação em diversos âmbitos, desde o corporativo até o mais casual. Não tardou até começarem a usá-lo para espalhar notícias de teor duvidoso. A Superinteressante listou os cinco maiores casos de boatos internacionais, mas quem não se lembra da história da senha invertida que chama a polícia nos caixas eletrônicos em casos de assalto, da associação entre desodorantes e câncer de mama e da mistura supostamente mortal de Coca-cola com Mentos?

Algumas histórias anteriores à internet, como a lenda urbana das seringas contaminadas com HIV, ganharam seu espaço no meio virtual. Outras atravessaram fronteiras e resistem ao tempo. É o caso, por exemplo, das correntes que anunciam que determinado serviço de comunicação passará a ser pago e que a pessoa deve repassar a corrente para continuar usando gratuitamente. MSN, Orkut, Facebook e Whatsapp já foram citados nessas correntes. E, por incrível que pareça, as pessoas continuam acreditando nelas.

Se o e-mail deu o pontapé inicial para o rápido espalhamento de boatos, nos dias de hoje o Whatsapp, aplicativo baseado em celular para troca de mensagens via internet, passou a ser terreno fértil para esse tipo de conteúdo. Para compartilhar qualquer coisa com indivíduos ou grupos, basta alguns toques na tela do celular e pronto: lá se vai a informação duvidosa, sempre coberta com o manto do “estou repassando, não sei se é verdade”. Até mesmo boatos da época do e-mail ressurgem nesse ambiente. E a fábrica de boatos não para: já surgiram laranjas contaminadas por HIV, a informação “confirmadíssima” de confisco da poupança e a possibilidade de uma guerra civil no Brasil.

A circulação de conteúdo de natureza duvidosa no Whatsapp já causou situações muito desconfortáveis no pouco tempo desde a popularização do aplicativo. Um exemplo disso ocorreu em 2014, durante a greve da Polícia Militar na Bahia. Não faltaram mensagens de áudio e texto fazendo afirmações sobre a continuidade da greve e possíveis arrastões, sem fonte confirmada. Muitas dessas mensagens usavam como fonte supostos “conhecidos que trabalham na Polícia”, e contribuíram muito para a disseminação do clima de pânico.

Usar o Whatsapp e o Facebook para se informar sobre os fatos do mundo, confiando na informação divulgada através desses meios, pode ser bem perigoso. Uma pesquisa coordenada pela professora da Unifesp, Esther Solano, e pelo filósofo Paulo Ortellado, da USP, mostrou que a maioria dos manifestantes contrários ao atual governo confia mais no que é divulgado em redes sociais do que em telejornais. O grande problema é que as informações falsas disseminadas por essas redes podem acabar servindo de combustível para atitudes irracionais de ódio, o que em nada contribui para o debate político.

Os boatos não surgiram com a internet, mas se adaptaram a ela, cresceram com o passar do tempo e ganharam força. É cada dia mais comum receber ou ler informação sem qualquer confirmação do conteúdo. Pior ainda, é comum o repasse do boato sem qualquer tipo de apuração antes. Ao passo que as informações estão mais acessíveis, também se tem mais problemas com a veracidade do que se lê.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Boatos: da antiguidade até os dias de hoje


É sabido que os boatos surgiram bem antes da internet e das demais tecnologias de comunicação. O termo boato vem do latim "boatus", significando "mugido, grito agudo". A prática surgiu na Roma Antiga, onde os imperadores nomeavam delatores, com intuito de ouvir das ruas os boatos criados pelo povo e levá-los ao imperador. Caso esses boatos prejudicassem a imagem do imperador, os delatores lançavam boatos em sentido contrário.

Foi o que aconteceu no incêndio de Roma, em 64. É possível que a versão mais conhecida, que responsabiliza o imperador Nero, tenha nascido de um boato popular. Na época, como resposta, o imperador criou a sua própria versão culpando os cristãos (que eram minoria na sociedade da época) e fazendo com que a fúria do povo se voltasse contra eles.

Segundo ROUQUETTE (1990, apud RENARD, 2007, p. 98), os boatos ganham adesão por quatro motivos fundamentais: o boato sempre revela uma informação ou mensagem surpreendentes, por geralmente evocar um problema social real e atual, o boato espalha uma mensagem moral (coloca em cena uma justiça imanente) e, por último, o boato resgata temas folclóricos antigos (quanto maior a forem a simplicidade e a força da carga simbólica dessas narrativas, maior será o sucesso obtido).

O sociólogo Jean-Noël Kapferer, especialista em boatos, mostrou que durante muito tempo foi difícil distinguir o boato da verdade dos fatos, já que a transmissão oral de notícias era o único canal de comunicação social até o surgimento da escrita e da imprensa. A escrita surge por volta de 3.500 A.C, criada pelo povo sumério, na antiga Mesopotâmia, onde atualmente está localizado o Iraque.

A escrita mudou a história da humanidade. Foi ali, ainda com a escrita cuneiforme, cravada em argila, que o homem conseguiu, pela primeira vez, levar adiante informações. Hoje, quase tudo que se conhece, seja religião, costumes ou ciência, veio desse princípio de armazenamento de informação. Porém, embora a escrita tenha sido a primeira forma de comunicação entre os seres humanos mediada por um objeto (excluindo-se a fala), ainda não se pode falar que foi a primeira tecnologia da comunicação. A palavra tecnologia tem origem no grego "tekhne" que signfica "técnica, arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia" que significa "estudo". Logo, não poderia haver o surgimento de uma tecnologia, propriamente dita, sem antes o surgimento da ciência.

Com o passar do tempo, o desenvolvimento técnico e tecnológico ampliou o acesso à informação e fez com que se tornasse mais fácil saber o que é verdade e o que é mentira. O surgimento das mídias de massa teve papel fundamental nesse processo: pela primeira vez, era possível difundir informação em larga escala, e essa informação circulava entre os diferentes meios, em diferentes graus de aprofundamento. Mas apenas algumas pessoas detinham poder sobre esses meios.

Juntamente às mídias de massa, o jornalismo passou a reforçar o seu papel de “instituição” incumbida de legitimar os fatos divulgados, operando na construção social da realidade e originando aquela lógica: “se saiu no jornal/na TV/no rádio, é verdade”. Mas a história mostrou que nem sempre as coisas são assim. Basta lembrar do emblemático caso da transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”, obra de H. G. Wells, numa emissora estadunidense. Embora não tenha se tratado exatamente de um boato, a dramatização da invasão extraterrestre teve o mesmo efeito, causando pânico e temor a aqueles que acreditaram.

No Brasil, a cobertura do sequestro do empresário Abílio Diniz, executivo do grupo Pão de Açúcar, em 1989, é um exemplo mais grave de cobertura midiática ajudando a disseminar um boato de forma decisiva. A trama se desenvolveu durante a corrida eleitoral entre Fernando Collor de Mello (PRN) e Luís Inácio Lula da Silva (PT). Na época, os jornais de grande circulação apontavam um envolvimento do Partido dos Trabalhadores no crime. Após as eleições, a “barrigada”, que acabou influenciando no resultado de forma significativa no estado de São Paulo (maior colégio eleitoral do país), foi identificada. 

Até que chegamos à Sociedade da Informação. Nos dias atuais, com a internet e a possibilidade de checar informações em questão de segundos, a facilidade de desmentir boatos é grande. Basta abrir uma nova aba, pesquisar no Google e pronto. Problema resolvido. Ou não… Por outro lado, esse desenvolvimento também ampliou as possibilidades de espalhamento de boatos. Graças à internet, com seu ambiente cooperativo e horizontal, todos podem produzir, compartilhar e visibilizar conteúdo, seja ele verdadeiro ou falso. Mas isso é assunto para o post da próxima semana.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Boatos e serendipidade na era do filtro-bolha

Os boatos existem desde antes da escrita. Para o francês Jean-Noël Kapferer, o boato é uma informação que “traz elementos novos sobre uma pessoa ou um acontecimento ligados à atualidade” (1993, p. 5 apud GADINI, 2007, p. 1). Capaz de fazer ou destruir uma reputação, além de gerar conflitos, esse tipo de informação, contudo, nem sempre é falso. Segundo Kapferer, a possibilidade de revelar-se verdadeiro é o que mais incomoda em um boato. Sua natureza parece incontrolável e seu surgimento normalmente é anônimo, sem autoria explícita.

Nos primórdios da era digital, recebíamos boatos via email. Hoje, é bastante comum encontrá-los em conversas e grupos do Whatsapp, nos nossos feeds do Facebook. Esse último, assim como sites de busca, mapeia nossas vidas e gostos, transformando-os em sequências finitas de instruções bem definidas, ou algoritmos. Para nós pode não fazer muito sentido, mas para eles consiste em uma fonte de lucro.

Através desses algoritmos, nos são sugeridos amigos, leituras, músicas e produtos. Umas curtidas aqui, outras ali e pronto! O Facebook sabe quem é você e do que você gosta, logo, ele vai sempre te oferecer links relacionados a esses assuntos. O que acaba gerando um efeito filtro-bolha que nos coloca numa redoma, afastados daquilo que o algoritmo “acredita” não ser do nosso interesse.

Mas por que os boatos continuam chegando até nós? Analisando o caso do Facebook, é necessário lembrar que o algoritmo não apenas cria um filtro-bolha, como também ressalta aquilo que é mais curtido e compartilhado e/ou aquilo que é curtido, comentado ou compartilhado por pessoas de influência. No primeiro caso, podemos lembrar da noção de "meme" apresentada por Richard Dawkins em seu livro "O Gene Egoísta", de 1976.

Assim como um gene é a unidade fundamental da genética, um meme é uma unidade abstrata e fundamental de informação, que se multiplica e se reproduz constantemente. Sua capacidade de reproduzir-se é a base da evolução cultural. O ponto-chave da sobrevivência de um meme é a sua multiplicação, o seu espalhamento, a sua transmissão de uma mente para outra.

Se ele deixar de reproduzir-se, morre, e a sua circulação depende de um sustento midiático. No conceito original, tanto valores religiosos quanto línguas podem ser considerados memes. Nos tempos atuais, o termo sofreu uma leve ressignificação, sendo aplicado majoritariamente a um conceito (geralmente cômico) que se propaga pela Internet.

Desta forma, os boatos chegam até nós porque, como unidades de informação, precisam circular para continuarem vivas. O Facebook se encarrega de colocá-los em nossos feeds de notícias, quanto mais "reproduzidos" eles são, para que assim possam sobreviver.

No que diz respeito aos contatos influentes, é possível relacioná-los à Teoria dos Efeitos Limitados, também conhecida por seu modelo two-step flow, proposta por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet. Segundo esta teoria, os meios de comunicação atuam primeiramente sobre os "líderes de opinião", as pessoas com influência local e maior acesso à informação. Esses líderes retransmitem a informação a uma rede social de indivíduos que não têm o mesmo acesso, amplificando, assim, o seu alcance.

Adaptando esta lógica à do Facebook, podemos considerar como "líderes de opinião" os nossos amigos mais próximos, aqueles com os quais interagimos mais, sob a vigilância dos algoritmos. O Facebook compreende, assim, que eles são mais "importantes" e que vamos querer ver aquilo que eles comentam, curtem ou compartilham. Essa é uma forma comum de descobrir boatos.

Algoritmos como o do Facebook, assim como as tecnologias, softwares e interfaces que nos rodeiam acabam não sendo um incentivo à serendipidade. Aquele estado de espírito atribuído à disposição e boa vontade diante de situações e ideias aleatórias (fora de nossas zonas de conforto) estaria em baixa por esses tempos. Com um fluxo constante e intenso, muitas vezes, bater o olho exatamente “naquela informação” pode ser uma questão de sorte.

Encontrar informações ao acaso, descobrir as respostas enquanto caminha despretensiosamente pela rua, ou enquanto passa a mão num livro e abre numa página aleatória, enquanto lê um outdoor e tem uma ideia para um texto, para um livro, para uma música, uma composição. É, serendipidade está presente em diversas situações do nosso dia a dia, em vários ambientes. A internet, através de sites de redes sociais e de busca, decidiu mapear os gostos a partir de cliques, selecionar o que acha conveniente. Considerando este ponto de vista, a internet significaria a morte da serendipidade, já que existe um algoritmo de um site limitando as buscas.

No entanto, num outro extremo, temos a internet como o próprio Reino da Serendipidade. Não se pode controlar o que há nos sites, como ocorre com o Facebook, por exemplo. Onde mais podemos nos perder em informação, em associação de ideias, em caminhos soltos que sempre nos levarão a algum lugar?! A internet tem de tudo! Podemos chegar a qualquer lugar por acaso. Qualquer lugar. Tudo está ao nosso alcance, e esse tudo sempre nos lembrará de algum outro tudo. Este labirinto é a própria definição de serendipidade.

No mundo da internet, basta uma compartilhada, uma curtida, basta que você seja marcado em um daqueles textos suspeitos, sem fontes, anônimos ou de procedência duvidosa… E aí pronto! Está feito. Nasce, para nós, o boato, rompendo nossa bolha.

terça-feira, 17 de março de 2015

Descansando os polegares (ou não)

No princípio, eram os celulares. Dos tijolões carregados em nossos cintos, com telas monocromáticas e poucas funções, até o surgimento de modelos mais modernos, finos e leves, com telas coloridas e câmeras, a revolução já foi grande. Mas, apesar de tudo, a função essencial era telefonar livremente, de qualquer lugar, sem fios. 
Eis que, no sétimo dia, surgiram os smartphones, misto de celulares e palmtops, aparelhos que possibilitam um mundo de atividades para além da telefonia. São verdadeiros minicomputadores de mão, com especificações de hardware cada vez mais avançadas, e cumprem um papel que hoje nos parece fundamental: conectar-nos à internet. São quase extensões do nosso corpo. 
Por essa razão, para a maioria das pessoas, ficar sem seus smartphones é algo inimaginável. Essa foi a proposta do professor André Lemos para a turma de Comunicação e Tecnologia, deixando livre a participação dos alunos: quarenta e oito horas sem smartphones e celulares de qualquer tipo. A ideia já causou estranhamento na maioria dos alunos, mas euconsiderei que a experiência seria fácil. Assim o foi.
O início do experimento se deu na manhã de quinta-feira, 12 de março, terminando na manhã de sábado, 14 de março. O smartphone e o celular comum - usado na rua por chamar menos atenção que o primeiro - foram desligados antes que eu saísse rumo à faculdade e guardados dentro do baú da estante do meu quarto, trancados à chave. Logo foi necessário "ressuscitar" um objeto que muitas pessoas já substituíram pelo celular: o relógio de pulso. Usei o tablet para me despertar na manhã de sexta-feira. Para ouvir música, outra função atrelada a esses dispositivos, foi utilizado um reprodutor de áudio portátil, mais conhecido como mp4 player. No entanto, ele já estava sendo utilizado desde uma falha no cartão de memória do celular auxiliar, de forma que, nesse ponto, tudo continuou na normalidade. 
"Normalidade", aliás, é a palavra que melhor define essa experiência, devido à permissão do uso de computadores e tablets para acesso aos conteúdos digitais. Traduzindo: quase tudo que costumo fazer no celular pôde ser feito sem problemas no computador e no tablet. Nem o Whatsapp, aplicativo de troca de mensagens exclusivo para celular, que para muitos já substituiu as mensagens SMS, fez falta. Também, como não é comum que eu faça ligações, e as pessoas mais próximas estavam avisadas do que seria feito, não houve problemas nesse ponto. O smartphone só fez falta de verdade em termos de desempenho, já que os dispositivos usados não suportavam um alto volume de tarefas ao mesmo tempo, travando constantemente.
Por conta de questões paralelas, durante o período do experimento eu desativei o meu perfil no Facebook, e esperava ficar longe da rede por um bom tempo. Mas me vi obrigada a voltar em menos de vinte e quatro horas, devido a trabalhos de faculdade que seriam discutidos por lá. Tal qual ficar sem celular, ficar sem Facebook não é, em essência, algo que me amedronta. O problema maior é a necessidade, o "dever" de estar conectado ao Facebook porque todos estão lá. 
Atualmente, organizamos as esferas de nossas vidas em torno de espaços virtuais que não necessariamente são móveis. Desta forma, talvez a experiência fosse mais impactante se a ideia fosse ficar 48 horas sem acesso à internet, em qualquer dispositivo. Acredito que aí sim eu me sentiria de volta aos tempos das cavernas. Mas posso citar, apesar de tudo, um resultado positivo: constatei que não sou tão viciada em celular quanto todo mundo pensava.

48 horas sem celular, ou quase

Segunda-feira, 09 de março de 2015.

Eram 21h em ponto em Salvador, quando desliguei o celular com uma sensação incômoda que eu não sabia explicar exatamente. Só poderia voltar a ligar o celular dali a 48 horas, ou seja, às 21h da quarta-feira (11/03/2015).

 Na semana anterior, o professor havia proposto aos alunos da disciplina Comunicação e tecnologia do semestre de 2015.1, que passassem 48h consecutivas com seus respectivos aparelhos celulares desligados. Decidi aceitar o desafio, sabia que não seria algo impossível, porém não seria exatamente fácil.

Logo que o professor André Lemos propôs a experiência, pensei em fazer no dia que menos precisaria do aparelho. Celulares antigos já quebraram antes e tive que me virar sem eles, então não seria tão difícil. Sempre acreditei que, perto das minhas amigas, eu era a mais desapegada do aparelho, mas quando fui pensando nas coisas que eu fazia e para as quais usava o celular, vi que a experiência poderia ser mais difícil do que eu imaginava.

Quando pensei no que era mais imprescindível para mim no celular, a primeira coisa que veio na mente foi: me comunicar com minha mãe e meu namorado.  O resto do mundo poderia esperar, mas eles eu sei que ficariam preocupados caso eu demorasse de responder. Porém um aviso prévio poderia resolver essa situação, não poderia? Ainda assim, seria estranho passar grande parte do dia incomunicável.

Logo depois uma série de informações foi chegando na minha mente enquanto a minha ficha caía: eu uso o celular pra quase tudo. Desde o despertador até a calculadora, o aparelho auxilia a minha rotina. Seja para ver as horas, verificar a previsão do tempo ou até para ouvir música, é difícil não usá-lo para alguma coisa.

Às 21:24, apenas 24 minutos depois, senti que o tempo passou tão rápido que não pude sentir. Então, conclui que 48h deveriam passar rápido também. Mas o celular estava em cima da mesa do computador, dentro do meu campo de visão e eu sabia que teria que resistir à vontade de pegá-lo, ligar o wifi e verificar se havia chegado alguma mensagem nova. Isso iria ter que esperar.

Ao contrário do que eu esperava, à noite não foi mais fácil. Culpa da minha competitividade, ou não, sonhei que utilizava o celular diversas vezes, portanto seria desclassificada da “brincadeira”.

O restante do dia seguiu seu curso normalmente, até eu lembrar que precisaria fazer uma ligação, mas o número para o qual eu deveria ligar estava... salvo no celular. Devido a experiências passadas, passei a anotar os contatos mais importantes numa agenda, só por precaução, mas aquele, infelizmente, não estava.

Às 21 horas do dia 10 de março de 2015 (terça-feira), 24 horas depois de iniciada a experiência, por motivos alheios a minha vontade, precisei ligar meu aparelho celular. Minha tia, depois de tentar diversas vezes me contatar pelo telefone móvel, ligou para o fixo aqui de casa para avisar que minha avó estava internada no hospital com pneumonia e minha mãe teria que passar a noite com ela. Péssima hora para se estar incomunicável. Consegui ficar um dia inteiro, quem sabe na próxima?

Ao ligar o celular novamente, um sentimento conflitante me preencheu. Metade frustração por não ter podido completar a experiência como eu havia planejado e metade felicidade por poder ficar comunicável novamente (e poder falar com minha mãe para saber melhores detalhes sobre o estado de saúde de minha avó). Só no whatsapp foram mais de 200 notificações em umas nove conversas diferentes (uma mensagem inclusive, era do meu primo falando que minha mãe não estava conseguindo falar comigo).

Da experiência eu percebi que:
1 - Se a experiência fosse passar 48h sem internet, seria potencialmente mais problemático e desesperador, já que é como me mantenho informada sobre questões da faculdade;
2 -Minha maior preocupação de ficar sem o celular era para o caso de alguma emergência não ter como ligar para a polícia ou o samu (nunca se sabe o que pode acontecer);

3 -Talvez seja exagero dizer que entendo o celular como uma extensão do meu corpo, acho que não chega a tanto, mas ainda assim ficar sem ele por perto gera um sentimento de “nudez”, como se faltasse algo. Algumas mulheres se sentem “nuas” quando esquecem o brinco em casa, para mim, esquecer o brinco ainda faz falta, mas esquecer o celular é muito pior. 

Luana Silva

domingo, 15 de março de 2015

Do que se trata o "Boataria"?


Blog desenvolvido na disciplina de Comunicação e Tecnologia (COM104), ministrada no curso de Comunicação Social da Faculdade de Comunicação da UFBA, o “Boataria” tem como objeto de estudo a criação e circulação de informações falsas nas redes.
É fato que boatos e mentiras existem desde sempre, mas com a democratização do acesso à rede mundial de computadores e o surgimento de novos dispositivos e aplicativos de comunicação, os boatos tomam proporções muito maiores e tornam-se onipresentes. Checando seu feed de notícias do Facebook, ou a conversa de algum grupo do Whatsapp, eles estarão lá, em forma de correntes ou até mesmo de postagens em (falsos) sites noticiosos.
A ideia de abordar o tema veio da inquietação causada pela disseminação generalizada de conteúdos dessa natureza. A maioria das pessoas compartilha essas informações sem qualquer verificação a respeito da veracidade dos fatos. Mesmo que por muitas vezes absurdas, tais informações surpreendentemente não despertam a desconfiança da maioria dos leitores e continuam sendo replicadas.
Por que as pessoas não param pra pensar? Por que há quem crie esses boatos? Quais as motivações dos produtores e reprodutores de informação falsa? O tema é amplo, e por isso merece ser estudado, analisado, compreendido à luz da teoria e da sua própria realidade.