sexta-feira, 20 de março de 2015

Boatos e serendipidade na era do filtro-bolha

Os boatos existem desde antes da escrita. Para o francês Jean-Noël Kapferer, o boato é uma informação que “traz elementos novos sobre uma pessoa ou um acontecimento ligados à atualidade” (1993, p. 5 apud GADINI, 2007, p. 1). Capaz de fazer ou destruir uma reputação, além de gerar conflitos, esse tipo de informação, contudo, nem sempre é falso. Segundo Kapferer, a possibilidade de revelar-se verdadeiro é o que mais incomoda em um boato. Sua natureza parece incontrolável e seu surgimento normalmente é anônimo, sem autoria explícita.

Nos primórdios da era digital, recebíamos boatos via email. Hoje, é bastante comum encontrá-los em conversas e grupos do Whatsapp, nos nossos feeds do Facebook. Esse último, assim como sites de busca, mapeia nossas vidas e gostos, transformando-os em sequências finitas de instruções bem definidas, ou algoritmos. Para nós pode não fazer muito sentido, mas para eles consiste em uma fonte de lucro.

Através desses algoritmos, nos são sugeridos amigos, leituras, músicas e produtos. Umas curtidas aqui, outras ali e pronto! O Facebook sabe quem é você e do que você gosta, logo, ele vai sempre te oferecer links relacionados a esses assuntos. O que acaba gerando um efeito filtro-bolha que nos coloca numa redoma, afastados daquilo que o algoritmo “acredita” não ser do nosso interesse.

Mas por que os boatos continuam chegando até nós? Analisando o caso do Facebook, é necessário lembrar que o algoritmo não apenas cria um filtro-bolha, como também ressalta aquilo que é mais curtido e compartilhado e/ou aquilo que é curtido, comentado ou compartilhado por pessoas de influência. No primeiro caso, podemos lembrar da noção de "meme" apresentada por Richard Dawkins em seu livro "O Gene Egoísta", de 1976.

Assim como um gene é a unidade fundamental da genética, um meme é uma unidade abstrata e fundamental de informação, que se multiplica e se reproduz constantemente. Sua capacidade de reproduzir-se é a base da evolução cultural. O ponto-chave da sobrevivência de um meme é a sua multiplicação, o seu espalhamento, a sua transmissão de uma mente para outra.

Se ele deixar de reproduzir-se, morre, e a sua circulação depende de um sustento midiático. No conceito original, tanto valores religiosos quanto línguas podem ser considerados memes. Nos tempos atuais, o termo sofreu uma leve ressignificação, sendo aplicado majoritariamente a um conceito (geralmente cômico) que se propaga pela Internet.

Desta forma, os boatos chegam até nós porque, como unidades de informação, precisam circular para continuarem vivas. O Facebook se encarrega de colocá-los em nossos feeds de notícias, quanto mais "reproduzidos" eles são, para que assim possam sobreviver.

No que diz respeito aos contatos influentes, é possível relacioná-los à Teoria dos Efeitos Limitados, também conhecida por seu modelo two-step flow, proposta por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet. Segundo esta teoria, os meios de comunicação atuam primeiramente sobre os "líderes de opinião", as pessoas com influência local e maior acesso à informação. Esses líderes retransmitem a informação a uma rede social de indivíduos que não têm o mesmo acesso, amplificando, assim, o seu alcance.

Adaptando esta lógica à do Facebook, podemos considerar como "líderes de opinião" os nossos amigos mais próximos, aqueles com os quais interagimos mais, sob a vigilância dos algoritmos. O Facebook compreende, assim, que eles são mais "importantes" e que vamos querer ver aquilo que eles comentam, curtem ou compartilham. Essa é uma forma comum de descobrir boatos.

Algoritmos como o do Facebook, assim como as tecnologias, softwares e interfaces que nos rodeiam acabam não sendo um incentivo à serendipidade. Aquele estado de espírito atribuído à disposição e boa vontade diante de situações e ideias aleatórias (fora de nossas zonas de conforto) estaria em baixa por esses tempos. Com um fluxo constante e intenso, muitas vezes, bater o olho exatamente “naquela informação” pode ser uma questão de sorte.

Encontrar informações ao acaso, descobrir as respostas enquanto caminha despretensiosamente pela rua, ou enquanto passa a mão num livro e abre numa página aleatória, enquanto lê um outdoor e tem uma ideia para um texto, para um livro, para uma música, uma composição. É, serendipidade está presente em diversas situações do nosso dia a dia, em vários ambientes. A internet, através de sites de redes sociais e de busca, decidiu mapear os gostos a partir de cliques, selecionar o que acha conveniente. Considerando este ponto de vista, a internet significaria a morte da serendipidade, já que existe um algoritmo de um site limitando as buscas.

No entanto, num outro extremo, temos a internet como o próprio Reino da Serendipidade. Não se pode controlar o que há nos sites, como ocorre com o Facebook, por exemplo. Onde mais podemos nos perder em informação, em associação de ideias, em caminhos soltos que sempre nos levarão a algum lugar?! A internet tem de tudo! Podemos chegar a qualquer lugar por acaso. Qualquer lugar. Tudo está ao nosso alcance, e esse tudo sempre nos lembrará de algum outro tudo. Este labirinto é a própria definição de serendipidade.

No mundo da internet, basta uma compartilhada, uma curtida, basta que você seja marcado em um daqueles textos suspeitos, sem fontes, anônimos ou de procedência duvidosa… E aí pronto! Está feito. Nasce, para nós, o boato, rompendo nossa bolha.

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