sexta-feira, 24 de abril de 2015

A produção de conteúdo na era digital

A internet revolucionou o jeito de fazer e lidar com as coisas, citamos alguns exemplos disso em nossos posts anteriores. Assim como os boatos, muitas coisas receberam uma nova roupagem com o surgimento da internet e de suas plataformas, como os blogs, YouTube, entre outros sites de redes sociais. Todas essas plataformas se utilizaram de ferramentas das mídias tradicionais, contudo, acrescentando novas possibilidades. Essas novas mídias romperam com a chamada mídia de massa e derrubaram (de vez) a teoria da agulha hipodérmica. Agora qualquer um pode produzir e distribuir conteúdo.
Conforme explica Santaella (2007, apud FURINI, 2013), as mídias, tanto as tradicionais quanto as novas, além de “produtoras de cultura por conta própria, são também as grandes divulgadoras das outras formas e gêneros de produção cultural” (p. 150). Utilizando o meio digital, os produtores independentes produzem, arquivam e apresentam os seus trabalhos em formato digital e, dessa forma, exploram todo o potencial possibilitado por esse meio (p. 142).
O YouTube permitiu ao público uma maior facilidade e comodidade no momento de distribuir e buscar conteúdo, tornando a plataforma um “adversário” de peso para as emissoras de TV. O espectador pode pausar, adiantar e rever o conteúdo desejado (regalias oferecidas antes apenas por algumas operadoras de TV a cabo). Da mesma forma, o surgimento e popularização de dispositivos móveis possibilitou o acesso aos vídeos a qualquer hora e lugar.
Pegando carona nesse fenômeno, os serviços de streaming, sendo o Netflix o mais popular entre eles, começam a mudar as regras do jogo para a indústria do entretenimento, principalmente séries e filmes. Produções exclusivas, como House of Cards, têm todos os episódios de suas temporadas disponibilizadas de uma única vez, livres de propagandas.
Da mesma forma, hoje é possível ver no tablet ou no celular, por exemplo, todos os jogos ao vivo da temporada da NBA, liga norte-americana de basquete, através do NBA League Pass -- espécie de assinatura on demand que permite ao usuário ter todos os jogos à disposição, para assistir a hora que quiser, em qualquer lugar. Uma nova lógica é imposta nesse contexto, baseada em participação e colaboração. O público deixa de ser apenas parte do meio, passando a colaborar para a diversidade do conteúdo.
Dessa forma, a televisão vem buscando se adaptar, absorvendo características dessas novas mídias. Recorrer a elementos de interatividade, assim como a nomes que fizeram sua fama na internet e uma produção em formatos que facilitem a reprodução nessas mídias tem sido estratégias utilizadas nesses novos tempos. Trata-se de uma remediação reversa.
Segundo Santaella, remediação é o processo que ocorre quando um novo meio absorve as características da linguagem de um meio anterior a ele, a fim de formar sua própria linguagem. Tal fato certamente aconteceu nos primórdios do YouTube, quando os primeiros criadores de conteúdo “pegaram emprestado” elementos da linguagem televisiva até que conseguissem criar um modus operandi próprio.
Além disso, as leis de direito autoral tradicionais parecem não dar conta da atual realidade. O que está na internet é disponibilizado para consulta segundo a Lei nº. 9.610/98 da mesma forma que acontece com obras impressas, por exemplo. Apesar do hábito do download sem controle dissemina a falsa percepção de que todo conteúdo tornou-se domínio público, é importante lembrar que para utilização de produto intelectual é necessário a solicitação do autor.
A legislação para direitos autorais é plenamente aplicada e garante ao autor os seus direitos, ainda que a maior dificuldade inerente ao assunto seja descobrir quem praticou a infração na Internet. Contudo é importante ressaltar que existem meios para esse fim, assim como também existem formas do autor evitar a cópia não autorizada de seus trabalhos. Logo, alegar uma ausência de legislação nesse sentido é equivocado.
As complicações com direitos autorais levaram à criação de uma organização não governamental, a chamada Creative Commons. Esta que é sediada em Mountain View, Califórnia, e trouxe como alternativa diversas licenças aos autores, distribuidores de conteúdo, para que possam conceder o uso da sua obra intelectual com mais facilidade, de uma forma simples e padronizada.
No início, essas licenças Creative Commons eram redigida com base no modelo legal norte-americano. Com o passar do tempo, a referência para esses acordos passou a ser, entre outras, as Convenções internacionais de Berna e Roma. Logo, os termos da Creative Commons são válidos em países alinhados com essas convenções.É o caso do Brasil, onde as licenças já se encontram traduzidas e adaptadas à nossa legislação.
Em meio a essa revolução na criação e no consumo de conteúdo, os boatos também têm seu lugar. Após a última Copa do Mundo de futebol, realizada pela FIFA, no Brasil, um vídeo aparentemente norte-coreano passou a circular na internet. No vídeo, um suposto noticiário do país dava as boas novas da Copa realizada no Brasil, enaltecendo os feitos da seleção campeão daquela edição, a Coréia do Norte. Tudo não passou de uma brincadeira do site de humor Naosalvo; o problema, porém, é que o vídeo foi tão bem feito que viralizou no mundo inteiro. Diversos veículos embarcaram no boato. Sem internet, sem o YouTube, seria impossível alcançar a dimensão que esse boato, essa trollagem, alcançou. Se não impossível, seria, pelo menos, mais complicado e demorado.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Internet, terra da boataria



O desenvolvimento da tecnologia e a revolução digital proporcionaram um avanço gigantesco num curto período de tempo, se comparado aos outros avanços da humanidade. O digital traz consigo uma constante busca pelo novo, o que tem seus prós e contras. Uma das consequências trazidas por essa modernização é a obsolescência do analógico.

Os aparelhos analógicos representaram um avanço na técnica e serviram de suporte para a mediação da comunicação, mas ainda apresentavam limitações. Os aparelhos digitais, aliados à internet, permitem uma “quebra” temporal, um encurtamento das distâncias. A informação, antes armazenada em papéis, discos, disquetes, etc, agora é um código binário, disponível apenas quando os aparelhos estão ligados. Ou, se estão na “nuvem”, são disponíveis apenas se houver conexão com a internet.

Os prós dessa nova era do digital são a possibilidade de conexão contínua, se comunicar com pessoas fisicamente distantes em tempo real, maior permanência e difusão da informação. Como “contras” há a rápida obsolescência dos suportes. Um meio mais novo logo surge para substituir o outro, e nesse processo muitas informações podem ser perdidas. Há também a maior produção e o maior consumo de objetos tidos como “descartáveis”, gerando uma maior quantidade de resíduos, que muitas vezes não são devidamente descartados ou reciclados.

Segundo Lessig (2005, apud FURINI, 2013) as tecnologias de publicação usadas antes da internet eram caras, o que contribuiu para o caráter comercial das publicações dessa época. Com a internet, houve uma grande mudança na forma como o conteúdo é compartilhado. Os produtores de conteúdo puderam dividir suas criações com um grande número de pessoas, de maneira instantânea.

Graças à possibilidade de difundir conteúdo e ao grande fluxo de informações que se compartilha diariamente, há um espaço para que os boatos se espalhem, de maneira maliciosa ou por descuido de alguns. Uma mensagem falsa, tida como verdadeira, passando de uma pessoa para outra, pode causar o caos.

Conforme mostramos no post anterior, os boatos sempre encontraram um jeito de reproduzir-se, desde muito antes do surgimento da internet. Mas, como sabemos, foi na rede mundial de computadores que eles encontraram terreno fértil para se multiplicar com maior velocidade e amplitude.

A rede mundial de computadores, ou Internet, surgiu no fim da década de 60, em plena Guerra Fria. Inicialmente criada com objetivos militares, seria uma das formas encontradas pelas forças armadas norte-americanas de manter as comunicações em caso de ataques que destruíssem os meios convencionais de telecomunicações. 

Além de ser utilizada para fins militares, a Internet também foi um importante meio de comunicação acadêmico. A comunidade universitária, sendo em grande parte proveniente dos EUA, trocava ideias, mensagens e descobertas através da rede. No Brasil, somente no ano de 1995 a internet deixou de ser privilégio das universidades e da iniciativa privada para se tornar de acesso público. E o número de usuários passou a crescer exponencialmente com o passar dos anos, conforme mostra o gráfico.





A partir da popularização da internet, na segunda metade dos anos 90, o e-mail tornou-se uma forma corriqueira de comunicação em diversos âmbitos, desde o corporativo até o mais casual. Não tardou até começarem a usá-lo para espalhar notícias de teor duvidoso. A Superinteressante listou os cinco maiores casos de boatos internacionais, mas quem não se lembra da história da senha invertida que chama a polícia nos caixas eletrônicos em casos de assalto, da associação entre desodorantes e câncer de mama e da mistura supostamente mortal de Coca-cola com Mentos?

Algumas histórias anteriores à internet, como a lenda urbana das seringas contaminadas com HIV, ganharam seu espaço no meio virtual. Outras atravessaram fronteiras e resistem ao tempo. É o caso, por exemplo, das correntes que anunciam que determinado serviço de comunicação passará a ser pago e que a pessoa deve repassar a corrente para continuar usando gratuitamente. MSN, Orkut, Facebook e Whatsapp já foram citados nessas correntes. E, por incrível que pareça, as pessoas continuam acreditando nelas.

Se o e-mail deu o pontapé inicial para o rápido espalhamento de boatos, nos dias de hoje o Whatsapp, aplicativo baseado em celular para troca de mensagens via internet, passou a ser terreno fértil para esse tipo de conteúdo. Para compartilhar qualquer coisa com indivíduos ou grupos, basta alguns toques na tela do celular e pronto: lá se vai a informação duvidosa, sempre coberta com o manto do “estou repassando, não sei se é verdade”. Até mesmo boatos da época do e-mail ressurgem nesse ambiente. E a fábrica de boatos não para: já surgiram laranjas contaminadas por HIV, a informação “confirmadíssima” de confisco da poupança e a possibilidade de uma guerra civil no Brasil.

A circulação de conteúdo de natureza duvidosa no Whatsapp já causou situações muito desconfortáveis no pouco tempo desde a popularização do aplicativo. Um exemplo disso ocorreu em 2014, durante a greve da Polícia Militar na Bahia. Não faltaram mensagens de áudio e texto fazendo afirmações sobre a continuidade da greve e possíveis arrastões, sem fonte confirmada. Muitas dessas mensagens usavam como fonte supostos “conhecidos que trabalham na Polícia”, e contribuíram muito para a disseminação do clima de pânico.

Usar o Whatsapp e o Facebook para se informar sobre os fatos do mundo, confiando na informação divulgada através desses meios, pode ser bem perigoso. Uma pesquisa coordenada pela professora da Unifesp, Esther Solano, e pelo filósofo Paulo Ortellado, da USP, mostrou que a maioria dos manifestantes contrários ao atual governo confia mais no que é divulgado em redes sociais do que em telejornais. O grande problema é que as informações falsas disseminadas por essas redes podem acabar servindo de combustível para atitudes irracionais de ódio, o que em nada contribui para o debate político.

Os boatos não surgiram com a internet, mas se adaptaram a ela, cresceram com o passar do tempo e ganharam força. É cada dia mais comum receber ou ler informação sem qualquer confirmação do conteúdo. Pior ainda, é comum o repasse do boato sem qualquer tipo de apuração antes. Ao passo que as informações estão mais acessíveis, também se tem mais problemas com a veracidade do que se lê.