sexta-feira, 17 de abril de 2015

Internet, terra da boataria



O desenvolvimento da tecnologia e a revolução digital proporcionaram um avanço gigantesco num curto período de tempo, se comparado aos outros avanços da humanidade. O digital traz consigo uma constante busca pelo novo, o que tem seus prós e contras. Uma das consequências trazidas por essa modernização é a obsolescência do analógico.

Os aparelhos analógicos representaram um avanço na técnica e serviram de suporte para a mediação da comunicação, mas ainda apresentavam limitações. Os aparelhos digitais, aliados à internet, permitem uma “quebra” temporal, um encurtamento das distâncias. A informação, antes armazenada em papéis, discos, disquetes, etc, agora é um código binário, disponível apenas quando os aparelhos estão ligados. Ou, se estão na “nuvem”, são disponíveis apenas se houver conexão com a internet.

Os prós dessa nova era do digital são a possibilidade de conexão contínua, se comunicar com pessoas fisicamente distantes em tempo real, maior permanência e difusão da informação. Como “contras” há a rápida obsolescência dos suportes. Um meio mais novo logo surge para substituir o outro, e nesse processo muitas informações podem ser perdidas. Há também a maior produção e o maior consumo de objetos tidos como “descartáveis”, gerando uma maior quantidade de resíduos, que muitas vezes não são devidamente descartados ou reciclados.

Segundo Lessig (2005, apud FURINI, 2013) as tecnologias de publicação usadas antes da internet eram caras, o que contribuiu para o caráter comercial das publicações dessa época. Com a internet, houve uma grande mudança na forma como o conteúdo é compartilhado. Os produtores de conteúdo puderam dividir suas criações com um grande número de pessoas, de maneira instantânea.

Graças à possibilidade de difundir conteúdo e ao grande fluxo de informações que se compartilha diariamente, há um espaço para que os boatos se espalhem, de maneira maliciosa ou por descuido de alguns. Uma mensagem falsa, tida como verdadeira, passando de uma pessoa para outra, pode causar o caos.

Conforme mostramos no post anterior, os boatos sempre encontraram um jeito de reproduzir-se, desde muito antes do surgimento da internet. Mas, como sabemos, foi na rede mundial de computadores que eles encontraram terreno fértil para se multiplicar com maior velocidade e amplitude.

A rede mundial de computadores, ou Internet, surgiu no fim da década de 60, em plena Guerra Fria. Inicialmente criada com objetivos militares, seria uma das formas encontradas pelas forças armadas norte-americanas de manter as comunicações em caso de ataques que destruíssem os meios convencionais de telecomunicações. 

Além de ser utilizada para fins militares, a Internet também foi um importante meio de comunicação acadêmico. A comunidade universitária, sendo em grande parte proveniente dos EUA, trocava ideias, mensagens e descobertas através da rede. No Brasil, somente no ano de 1995 a internet deixou de ser privilégio das universidades e da iniciativa privada para se tornar de acesso público. E o número de usuários passou a crescer exponencialmente com o passar dos anos, conforme mostra o gráfico.





A partir da popularização da internet, na segunda metade dos anos 90, o e-mail tornou-se uma forma corriqueira de comunicação em diversos âmbitos, desde o corporativo até o mais casual. Não tardou até começarem a usá-lo para espalhar notícias de teor duvidoso. A Superinteressante listou os cinco maiores casos de boatos internacionais, mas quem não se lembra da história da senha invertida que chama a polícia nos caixas eletrônicos em casos de assalto, da associação entre desodorantes e câncer de mama e da mistura supostamente mortal de Coca-cola com Mentos?

Algumas histórias anteriores à internet, como a lenda urbana das seringas contaminadas com HIV, ganharam seu espaço no meio virtual. Outras atravessaram fronteiras e resistem ao tempo. É o caso, por exemplo, das correntes que anunciam que determinado serviço de comunicação passará a ser pago e que a pessoa deve repassar a corrente para continuar usando gratuitamente. MSN, Orkut, Facebook e Whatsapp já foram citados nessas correntes. E, por incrível que pareça, as pessoas continuam acreditando nelas.

Se o e-mail deu o pontapé inicial para o rápido espalhamento de boatos, nos dias de hoje o Whatsapp, aplicativo baseado em celular para troca de mensagens via internet, passou a ser terreno fértil para esse tipo de conteúdo. Para compartilhar qualquer coisa com indivíduos ou grupos, basta alguns toques na tela do celular e pronto: lá se vai a informação duvidosa, sempre coberta com o manto do “estou repassando, não sei se é verdade”. Até mesmo boatos da época do e-mail ressurgem nesse ambiente. E a fábrica de boatos não para: já surgiram laranjas contaminadas por HIV, a informação “confirmadíssima” de confisco da poupança e a possibilidade de uma guerra civil no Brasil.

A circulação de conteúdo de natureza duvidosa no Whatsapp já causou situações muito desconfortáveis no pouco tempo desde a popularização do aplicativo. Um exemplo disso ocorreu em 2014, durante a greve da Polícia Militar na Bahia. Não faltaram mensagens de áudio e texto fazendo afirmações sobre a continuidade da greve e possíveis arrastões, sem fonte confirmada. Muitas dessas mensagens usavam como fonte supostos “conhecidos que trabalham na Polícia”, e contribuíram muito para a disseminação do clima de pânico.

Usar o Whatsapp e o Facebook para se informar sobre os fatos do mundo, confiando na informação divulgada através desses meios, pode ser bem perigoso. Uma pesquisa coordenada pela professora da Unifesp, Esther Solano, e pelo filósofo Paulo Ortellado, da USP, mostrou que a maioria dos manifestantes contrários ao atual governo confia mais no que é divulgado em redes sociais do que em telejornais. O grande problema é que as informações falsas disseminadas por essas redes podem acabar servindo de combustível para atitudes irracionais de ódio, o que em nada contribui para o debate político.

Os boatos não surgiram com a internet, mas se adaptaram a ela, cresceram com o passar do tempo e ganharam força. É cada dia mais comum receber ou ler informação sem qualquer confirmação do conteúdo. Pior ainda, é comum o repasse do boato sem qualquer tipo de apuração antes. Ao passo que as informações estão mais acessíveis, também se tem mais problemas com a veracidade do que se lê.

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