sexta-feira, 27 de março de 2015

Boatos: da antiguidade até os dias de hoje


É sabido que os boatos surgiram bem antes da internet e das demais tecnologias de comunicação. O termo boato vem do latim "boatus", significando "mugido, grito agudo". A prática surgiu na Roma Antiga, onde os imperadores nomeavam delatores, com intuito de ouvir das ruas os boatos criados pelo povo e levá-los ao imperador. Caso esses boatos prejudicassem a imagem do imperador, os delatores lançavam boatos em sentido contrário.

Foi o que aconteceu no incêndio de Roma, em 64. É possível que a versão mais conhecida, que responsabiliza o imperador Nero, tenha nascido de um boato popular. Na época, como resposta, o imperador criou a sua própria versão culpando os cristãos (que eram minoria na sociedade da época) e fazendo com que a fúria do povo se voltasse contra eles.

Segundo ROUQUETTE (1990, apud RENARD, 2007, p. 98), os boatos ganham adesão por quatro motivos fundamentais: o boato sempre revela uma informação ou mensagem surpreendentes, por geralmente evocar um problema social real e atual, o boato espalha uma mensagem moral (coloca em cena uma justiça imanente) e, por último, o boato resgata temas folclóricos antigos (quanto maior a forem a simplicidade e a força da carga simbólica dessas narrativas, maior será o sucesso obtido).

O sociólogo Jean-Noël Kapferer, especialista em boatos, mostrou que durante muito tempo foi difícil distinguir o boato da verdade dos fatos, já que a transmissão oral de notícias era o único canal de comunicação social até o surgimento da escrita e da imprensa. A escrita surge por volta de 3.500 A.C, criada pelo povo sumério, na antiga Mesopotâmia, onde atualmente está localizado o Iraque.

A escrita mudou a história da humanidade. Foi ali, ainda com a escrita cuneiforme, cravada em argila, que o homem conseguiu, pela primeira vez, levar adiante informações. Hoje, quase tudo que se conhece, seja religião, costumes ou ciência, veio desse princípio de armazenamento de informação. Porém, embora a escrita tenha sido a primeira forma de comunicação entre os seres humanos mediada por um objeto (excluindo-se a fala), ainda não se pode falar que foi a primeira tecnologia da comunicação. A palavra tecnologia tem origem no grego "tekhne" que signfica "técnica, arte, ofício" juntamente com o sufixo "logia" que significa "estudo". Logo, não poderia haver o surgimento de uma tecnologia, propriamente dita, sem antes o surgimento da ciência.

Com o passar do tempo, o desenvolvimento técnico e tecnológico ampliou o acesso à informação e fez com que se tornasse mais fácil saber o que é verdade e o que é mentira. O surgimento das mídias de massa teve papel fundamental nesse processo: pela primeira vez, era possível difundir informação em larga escala, e essa informação circulava entre os diferentes meios, em diferentes graus de aprofundamento. Mas apenas algumas pessoas detinham poder sobre esses meios.

Juntamente às mídias de massa, o jornalismo passou a reforçar o seu papel de “instituição” incumbida de legitimar os fatos divulgados, operando na construção social da realidade e originando aquela lógica: “se saiu no jornal/na TV/no rádio, é verdade”. Mas a história mostrou que nem sempre as coisas são assim. Basta lembrar do emblemático caso da transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”, obra de H. G. Wells, numa emissora estadunidense. Embora não tenha se tratado exatamente de um boato, a dramatização da invasão extraterrestre teve o mesmo efeito, causando pânico e temor a aqueles que acreditaram.

No Brasil, a cobertura do sequestro do empresário Abílio Diniz, executivo do grupo Pão de Açúcar, em 1989, é um exemplo mais grave de cobertura midiática ajudando a disseminar um boato de forma decisiva. A trama se desenvolveu durante a corrida eleitoral entre Fernando Collor de Mello (PRN) e Luís Inácio Lula da Silva (PT). Na época, os jornais de grande circulação apontavam um envolvimento do Partido dos Trabalhadores no crime. Após as eleições, a “barrigada”, que acabou influenciando no resultado de forma significativa no estado de São Paulo (maior colégio eleitoral do país), foi identificada. 

Até que chegamos à Sociedade da Informação. Nos dias atuais, com a internet e a possibilidade de checar informações em questão de segundos, a facilidade de desmentir boatos é grande. Basta abrir uma nova aba, pesquisar no Google e pronto. Problema resolvido. Ou não… Por outro lado, esse desenvolvimento também ampliou as possibilidades de espalhamento de boatos. Graças à internet, com seu ambiente cooperativo e horizontal, todos podem produzir, compartilhar e visibilizar conteúdo, seja ele verdadeiro ou falso. Mas isso é assunto para o post da próxima semana.

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